Thursday, September 09, 2004

Vidas secas, poluídas e paulistanas

São Paulo, 9 de setembro de 2004, umidade relativa do ar em 27%. Eu penso em Graciliano Ramos.

A metrópole estendia-se, de um cinza indeciso salpicado de manchas pretas de poluição. O vôo prateado dos helicópteros fazia círculos altos em redor de prédios.

– Anda, excomungado.

O carro da frente não se mexeu, e Fabiano desejou matar seu dono. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação do motorista irritava-o. Certamente esse obstáculo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o assalariado precisava chegar, não sabia onde.

Tinham deixado a avenida, cheia de obras da prefeitura, fazia horas que estavam em uma via secundária, o asfalto rachado que escaldava os pneus.

Pelo espírito atribulado do cidadão passou a idéia de abandonar o carro naquela rua. Pensou nos ladrões, no chefe, coçou a barba de dois dias, irresoluto, examinou os arredores. O guarda de trânsito esticou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num murmúrio incessante de motor.

Mais ligeiro que as máquinas, um pedestre se perdia no horizonte. Arqueado, a pele brilhava, andava ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, tomava um gole d'água, que toda a secura e a poluição da cidade pareciam se concentrar em sua garganta.