Inominável
Olhei pela janela e vi, estampado em um rosto totalmente estranho, o espanto do reencontro inesperado. Eu jamais havia visto aquela mulher, nunca, em nenhum momento de minha vida, aquele rosto significou qualquer coisa para mim, disso eu sei. Mas ela continuou a me fitar por dois infinitos segundos, como se esperasse por esse momento há décadas, séculos, eras. Finalmente, eu me encontrava a centímetros de distância. Se um dia estivemos separados por não-se-sabe quantos quilômetros e não-se-sabe quanto tempo, agora estávamos separados por uma janela, um vidro temperado de 8 milímetros de espessura e alguma fuligem. Do lado de lá, um turbilhão de emoções, das quais apenas algumas eu consegui captar naquele semblante. Surpresa, êxtase, comoção. Do lado de cá, apenas a indiferença e o estranhamento. A composição partiu, e nos três minutos que separam uma estação da outra, cogitei descer e esperar por ela. Desgraçadamente, não o fiz, e aquele rosto acompanhou meus pensamentos por décadas, séculos, eras. Mesmo que inconscientemente, eu a procurava em multidões. Temia nunca poder saber por que lhe causei aquele misto de sentimentos, para o qual nem se inventou um nome ainda. Chegava a doer. Até que um dia, da plataforma da estação, eu a vi, juro que sim. Do lado de cá, surpresa, êxtase, comoção. Do lado de lá, a indiferença e o estranhamento. O trem partiu.